Caçadores de vidas: conheça os cães dos Bombeiros de SP
Logo que chegamos ao quartel dos Bombeiros no bairro do Ipiranga, em São Paulo, os latidos fortes e insistentes dos 14 cães de salvamento começaram. Todos chegaram ainda filhotes e passaram por muitos testes para finalmente poderem começar o treinamento que dura em média um ano e meio.
Aparentemente, são cachorros comuns mas, na verdade, desde 2000, quando começou o treinamento de cães para resgates de pessoas, eles são verdadeiros heróis de quatro patas, que já participaram de importantes salvamentos, seja no meio de escombros ou em afogamentos.
Cada bombeiro é responsável por um cão, tanto para os cuidados do próprio animal quanto no treinamento individual.
'O cachorro precisa ser dócil, destemido e curioso, para depois começar a treinar com obstáculos, escombros e situações adversas de temperatura, que vão acostumar o cão a trabalhar em diferentes condições.', contou o sargento Dias, que está na corporação há 14 anos, dois anos antes da regulamentação de cães de busca.
Segundo o bombeiro, os 'adestramentos' foram se aperfeiçoando ao longo do tempo, pois não existia uma regra e os aprendizados foram chegando juntamente com os erros.
Hoje, eles são feitos em diversos lugares e com diferentes figurantes de vítimas, para que o cachorro não se acostume a encontrar determinados tipos de pessoas em locais já conhecidos e esteja pronto para atuar em qualquer ocorrência.
O treinamento
O treino destes cães é muito diferente do recebido pelos da PM. Os cachorros do salvamento são treinados com base no método 'k-sar', uma sigla que tem nas letras os significados 'caninos', 'salvamento' e 'resgate', que utiliza principalmente os cheiros liberados pelo corpo humano na forma de gases, que podem vir da terra ou da água, para poder encontrar vítimas vivas ou mortas de algum acidente.
Em um segundo momento, caso a vítima esteja viva e o cachorro já esteja próximo, ele pode chegar a usar outros sentidos como a audição e a visão.
'Os nossos cães encontram as vítimas inicialmente pelo cheiro genérico do ser humano e não pelo odor particular de cada pessoa, pois isto não seria possível. Seria necessário encontrar alguma peça de uso recente da vítima, que ninguém tivesse tocado e que fosse encontrada facilmente no local, que na maioria das vezes está totalmente destruído e com certeza isso levaria tempo, algo para nós precioso para resgatarmos uma vida. Por isso, eles são treinados com o cheiro natural do humano, fazendo com que o resgate seja feito o mais rápido possível.', explicou Dias.
O bombeiro explicou que o tal 'cheiro de humano' é produzido por um laboratório do exterior, que o vende na forma líquida e em frasco. Esse líquido, os bombeiros passam num pano e dão para os cachorros cheirarem.
Testando a habilidade das cadelas
A reportagem sentiu na pele como é ser salvo pelos cães bombeiros e participou do treinamento da cadela Jade em um terreno arborizado, situado dentro do Parque da Independência, no bairro do Ipiranga, sudeste de São Paulo.
Fazendo o papel da vítima, o repórter foi colocado em um buraco coberto por galhos de árvore a metros de distância da cadela e recebeu orientações dos bombeiros de como se comportar durante o resgate.
Após receber a ordem de seu treinador, o cabo Lelis, Jade correu pela mata e, em poucos segundos, encontrou o repórter. Em uma situação real, os segundos poupados pelo uso dos cães nas buscas são cruciais para que as pessoas sejam resgatadas com vida.
A velocidade que Jade demonstra em seus treinamentos e sua exatidão no encontro de vítimas é a prova de que estes animais são essenciais para o trabalho do Corpo de Bombeiros.
De 'mãe para filho'
Esse método 'k-sar' leva em conta o que a mãe do filhote deveria ensiná-lo na matilha a caçar e aguçar seus instintos para, no final, ser recompensado.
Mesmo sendo um trabalho extremamente sério, para os filhotes cachorrinhos é uma grande brincadeira. Eles ficam atentos ao trabalho para, no final, serem recompensados por um carinho de gratidão ou um objeto para se divertirem.
Quando chegam ao ambiente da tragédia, os bombeiros procuram primeiramente descartar os locais de busca, depois do cão já ter farejado e consequentemente determinado onde a procura deve ser feita.
No momento em que o cachorro detecta a presença do gás, eliminado por substâncias do nosso corpo, em algum ponto, ele começa a latir e só para quando seu comandante se aproxima.
Logo depois, entra em cena o segundo cachorro. Ele geralmente faz a confirmação dos pontos a serem escavados, já sinalizados por latidos do primeiro.
'Sempre são usados dois cães para a confirmação. Enquanto um faz as buscas o outro não vê, pois isso poderia influenciá-lo de alguma forma. E os nossos cães são ensinados a nunca encostar nas vítimas para não agravar a possível situação dela', complementa o sargento.
De acordo com Dias, em casos que envolvem muitas vítimas, é feita uma entrevista com pessoas que estão no lugar para que assim seja feita a chamada 'marcação Insarag', mapeamento de estruturas e vítimas, para estabelecer a real quantidade de vítimas da ocorrência, estejam elas vivas ou mortas. Isso faz com que o animal busque cada uma por eliminatória de quantidade e possa receber o 'prêmio' apenas no final do salvamento.
Aposentadoria
A vida profissional destes cãezinhos costuma durar apenas 8 anos. Depois de aposentado, o cachorro pode ficar com o seu 'bombeiro tutor' ou ser doado para algum componente do batalhão.
'Temos que confiar no trabalho do cão. Houve uma ocorrência em Santo André em que uma casa de fogos de artifício teria explodido e os cachorros que estavam no local não sinalizaram a presença de vítima. Realmente eles estavam certos', afirma Dias, orgulhoso de poder nos contar a importância do treinamento.