Cães-guia mudam a vida de deficientes visuais da região
Há cerca de seis meses, o metalúrgico Flávio Henrique de Souza, 43 anos, e o instrutor de formação profissional Rafael Fortes Braz, 32, passaram a contar com o auxílio de um companheiro para executar tarefas simples do dia a dia, como identificar o movimento do trânsito, atravessar a rua, desviar de buracos e obstáculos, localizar escadas e, com isso, evitar acidentes causados pela falta de visão e de acessibilidade para pessoas com deficiência. Os dois moradores do Grande ABC estão entre os nove cegos do Estado contemplados no projeto Cão-Guia Sesi-SP.
A curiosidade fez com que o morador de Santo André Rafael Braz se inscrevesse no programa e recebesse um cão-guia gratuitamente. Desde outubro, ele e Ozzy, cão da raça golden retriever, não se separam. “Fico emocionado em falar. Ele se tornou ao mesmo tempo um irmão, um amigo, um laço afetivo forte”, destaca o profissional do Senai Almirante Tamandaré, em São Bernardo.
A perda de visão de Braz ocorreu dos 21 aos 29 anos devido a doença degenerativa e, há cerca de três anos, ele parou de enxergar por completo. A vinda de Ozzy, segundo ele, contribui para ampliação da sensação de segurança ao caminhar pelas ruas. No entanto, a principal dificuldade ainda é a falta de preparo da sociedade e de infraestrutura. “Na greve dos coletores de lixo, por exemplo, as pessoas acumulavam sacos nas calçadas, que já são esburacadas, o que dificulta muito nossa locomoção”, ressalta.
Outro ponto tido como difícil é evitar com que pessoas tirem atenção do cachorro ao fazer carinho. Durante o período em que está com a guia e junto do dono, o cão está trabalhando, explica Braz. “Atrapalha de fato. Um dia desses estava descendo uma escada e um homem brincou com ele (Ozzy). O cão se assustou e deu um pulo, então caí. Ainda bem que estava no penúltimo degrau”, lembra.
NOVA EXPERIÊNCIA
Depois de 26 anos utilizando a bengala para se orientar, após ter ficado cego por doença óptica, o metalúrgico Flávio Henrique de Souza resolveu aderir à experiência. “Me inscrevi no projeto porque era algo novo e achei que poderia ganhar mais autonomia de mobilidade”, acredita. Desde outubro, a labrador Ivvy o acompanha diariamente no trajeto de sua casa, em São Caetano, até o emprego, no bairro Pauliceia, em São Bernardo, e em outras atividades cotidianas. A rotina do trabalho é recompensada em casa, quando Ivvy se torna um cão comum, exceto pela manutenção da disciplina. “Tenho duas crianças em casa e elas adoram ela. Eu explico sobre as brincadeiras que não podem ser feitas, como pular”, observa Souza. “É uma parceira, muito dócil e carinhosa. Às vezes me pego conversando com ela (Ivvy)”, revela.
PROGRAMA
O programa teve início em 2010, quando 23 filhotes das raças labrador e golden retriever foram adquiridos pelo Sesi-SP e entregues a famílias acolhedoras selecionadas para período de oito meses de socialização. Depois de passar por adestramento e treinamento intensivo, os animais foram avaliados e apenas nove comprovaram o perfil para atuar como cães-guia. Os aprovados permanecem por sete anos no trabalho. Além de dóceis, os cães não podem ter nenhum problema de saúde. No Brasil, adquirir um cão-guia custa em torno de R$ 25 mil.
A ação foi pensada tendo em vista a existência de pelo menos 1.800 trabalhadores cegos nas indústrias do Estado. Por meio de parceria com o Projeto Iris, foi investido cerca de R$ 1 milhão, segundo o idealizador do projeto e presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Paulo Skaf (PMDB). Ele participou ontem da cerimônia que reuniu os contemplados pela iniciativa. “As pessoas podem achar que nove cães é pouco, mas no Brasil só temos entre 60 a 100 cães pelos números que ouço. Isso significa em torno de 10% de aumento. O que mais vale disso é o exemplo para governos, empresas e instituições”, diz.