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“Que burrice!” “Que Gata!” “Comprei Gato por Lebre.” “Porcalhão!” “Seu Animal!”
A representação da natureza humana por meio das características dos animais é um dos gêneros mais exercitados no afã humano de se autodenominar. Esta prática está presente no cerne de praticamente todas as culturas: regionais, nacionais, ocidentais ou orientais.
Na Grécia Antiga, as fábulas de Esopo traziam mensagens moralistas para seus interlocutores sobre características humanas por meio da alegoria animalesca, como a célebre fábula da lebre (esperta e preguiçosa) e a tartaruga (lenta, porém persistente e dedicada). No mesmo período, as comédias de Aristófanes divertiam os atenienses por meio de metáforas nas quais os homens eram satirizados na figura de animais.
No âmbito religioso, os exemplos se multiplicam. No cerne da criação humana, no simbolismo bíblico, está a serpente que representa o pecado original que expurgou Adão do paraíso, metáfora da tentação e da fraqueza humana. Mais adiante, no forjamento do simbolismo cristão, a figura de Cristo é representada pelo cordeiro redentor, que se tornaria, no final do século 18, o tigre revolucionário na poesia do visionário William Blake.
Já no século 20, um dos eventos mais emblemáticos e extremos da história humana – o holocausto – foi representado, em sua forma mais original, em “Maus”, quadrinhos de Art Spiegelman que retrata os diferentes grupos étnicos participantes da Segunda Guerra Mundial por meio de várias espécies de animais: os judeus são os ratos (em alemão: maus), os alemães, gatos, os franceses, sapos, os poloneses, porcos, os americanos, cachorros, os suecos, renas, os ciganos, traças e os ingleses, peixes. O mesmo recurso foi utilizado por George Orwell para satirizar o Comunismo Soviético Stalinista em “A Revolução dos Bichos”, obra-prima entre os romances do século 20.
Os exemplos desta espécie de antropoformismo são incontáveis. Todos eles são sintomas do fato de os seres humanos buscarem várias maneiras de refletir sobre si mesmos, tornando o mundo um espelho narcísico de suas próprias imperfeições.
André Luis Bertelli Duarte
*Mestre em História pela Universidade Federal de Uberlândia e integrante do Núcleo de Estudos em História da Arte e da Cultura (Nehac). Professor da rede estadual de ensino. andrebduarte@gmail.com