Estudo revela que a crença no reencontro após a morte com os animais de companhia não tem parado de aumentar. A partir da Segunda Guerra Mundial, muitos passaram de “amigos” a “membros da família”
Foi quando estava a investigar as ruínas de uma casa de meados do século XIX, no centro de Toronto, que Eric Tourigny teve a ideia de analisar lápides de animais de companhia. Há anos que este zooarqueólogo canadiano estuda ossos de animais com o objetivo de reconstruir as suas relações com os humanos, ao longo dos tempos. O esqueleto de um grande cão que, naquele dia de 2014, encontrou enterrado no quintal dessa casa levou-o a perguntar-se se as sepulturas dos cães e dos gatos poderiam revelar uma mudança do seu statu na sociedade.
Quando se mudou para o Reino Unido, onde é atualmente professor de Arqueologia Histórica na Universidade de Newcastle, Eric Tourigny dedicou-se, então, a estudar cemitérios de animais. Escolheu quatro, incluindo o primeiro do país, criado em Londres, no Hyde Park, em 1881, e acabou a analisar mais de mil pedras tumulares.
Cemitério de animais no Hyde Park, em Londres (foto de Eric Tourigny)
As primeiras tinham apenas o nome do bicho e datas, inscrições simples como “Querido Fluffy”, “Topsey, amigo amoroso” ou “Maude, uma velha amiga”, eventualmente precedidas pela frase “Em memória de”. Mas, a partir da Segunda Guerra Mundial, muitos proprietários começam a aparecer referidos como “mamã”, “papá” ou “tia” (20%) e os bichos ganham o apelido da família (11%).
Com o tempo, surgem também sepulturas de gatos, sublinha Eric Tourigny neste seu estudo Os cães vão todos para o céu? Rastreando as relações entre humanos e animais através do levantamento arqueológico de cemitérios de animais de companhia, publicado na revista Antiquity.
A mudança no statu dos animais de companhia pode ser explicada por vários fatores, escreve o investigador. Além de Charles Darwin ter defendido a igualdade entre animais e humanos, invenções como o champô contra as pulgas dos cães ou a areia para os gatos facilitaram a sua entrada nas casas das famílias que se tinham tornado mais pequenas, ganhando, por isso, tempo para se dedicarem aos bichos.
Mais surpreendente é a crença no reencontro após a morte, bem patente num número crescente de lápides. Até 1910, o zooarqueólogo descobriu apenas seis lápides (cerca de 1%) com um símbolo religioso ou uma alusão ao céu. Entre 1945 e 1991, esse tipo de referências é patente em 104 sepulturas (quase 20%).
Enquanto numa delas, do ano 1900, que encontrou no Hyde Park, se lê apenas “Será que nos encontraremos de novo?”, em 1952 alguém mandou inscrever na lápide de Denny, “um gatinho corajoso”: “Deus te abençoe até que nos encontremos novamente”. Estranho? Em 1990, o Papa João Paulo II iria afirmar que os animais têm alma e estão “tão próximos de Deus quanto os homens”.
O mais antigo cemitério de animais de companhia do Reino Unido nasceu por acaso, quando os donos de um cão chamado Cherry perguntaram ao porteiro do Victoria Lodge, um edifício que existe dentro do Hyde Park, se podiam enterrá-lo ali. Como as crianças da família Barned frequentavam o parque londrino com regularidade, o sr. Winbridge acedeu a enterrar o bicho nas traseiras do edifício, num cantinho que ele próprio adorava. Ainda hoje lá essa primeira lápide, com a inscrição “Pobre Cherry. Morreu a 28 de abril. 1881”.
Sepulturas de animais em Ilford, nos arredores de Londres
Cento e poucos anos depois, a cremação de animais de companhia tornar-se-ia a regra. E ainda hoje assim é, um pouco por todo o mundo, embora ela coexista com locais de sepultura específicos.
Em Portugal, o cemitério de animais mais antigo remonta a 1934 e está situado no Jardim Zoológico de Lisboa, onde já se encontrava um pequeno monumento artístico em lembrança de um cão que pertencera a um cidadão britânico. E, em todo o País, existem várias agências funerárias para animais de companhia, com atendimento 24 horas por dia, serviços de cremação, enterros e entrega de cinzas.
Em Nova Iorque, tornou-se possível sepultá-los em cemitérios para humanos, a partir de 2016. “Quem somos nós para atrapalhar se o desejo final de alguém inclui passar a eternidade com o seu animal de companhia?”, disse o então governador do estado de Nova Iorque, Andrew Cuomo.