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O cão é o único animal doméstico que gosta de ossos

Veterinário de Santarém acha que não se pode culpar um cão de um ataque sem antes analisar a situação. Em relação a comportamento, “sabemos ainda pouco sobre cães e quase nada sobre gatos”, diz o veterinário de 62 anos.

Em 2011 um cão de raça boxer provocou ferimentos num menino de três anos em Abrantes. Um pastor alemão também conduziu um menino de três anos de Foros de Salvaterra ao hospital em 2007. O caso mais recente aconteceu em Beja quando um cão cruzado de pitbull terá provocado a queda de um menino de 18 meses que viria a morrer. Depois da sentença de morte do cão, cerca de 70 mil pessoas manifestaram-se publicamente num abaixo-assinado e causaram notícia com tanto impacto como a da morte da criança.

O MIRANTE conversou com João Cláudio, 62 anos, médico veterinário, que em poucas palavras defendeu o direito à inocência, até análise profunda do caso, dizendo que “os cães são os únicos animais que gostam de comer ossos”, e que, “apesar de serem os grandes amigos dos homens, nós ainda sabemos pouco sobre eles”.

“O homem ainda sabe pouco sobre cães e sobre gatos quase nada sabe”. “Muita gente compra um cão como se compra um carro de marca. Escolhem a marca que acham melhor e depois só aprendem a meter a chave na ignição. O resto é por conta dos automatismos. Mas nada disto se pode passar com um cão. Ele precisa de ter um “alfa,” alguém que o domine; que imponha autoridade, que lhe dê educação e segurança”.

Há várias histórias muito tristes de pessoas que treinaram os seus cães para defenderem com os dentes as suas propriedades e depois desafiaram as regras da autoridade que eles próprios impuseram aos seus animais. “Claro que as histórias são tristes para os seus donos; e para os cães que depois acabaram mortos ou rejeitados quando se limitaram à fidelidade canina que todos conhecemos e, muitas vezes, esquecemos porque temos memória curta”, conta João Cláudio.

“Os cães são como alguns de nós. Sempre levaram pancada ao longo da vida e continuam a gostar do dono; sempre comeram ou roeram ossos e outros desperdícios sem exigirem mais, dando-nos a mão sempre que lhe é pedida; ninguém admite, portanto, que um dia o cão diga basta, e espete uma mordida a quem o chateia”, explica João Cláudio.

O veterinário defende que um cão precisa de um dono dominante, que o conduza e ensine, tal como uma criança. “Deixamos o nosso cão sentado na poltrona e não temos coragem de lhe impor outro lugar. Deixamo-nos estudar por ele diariamente mas nós nunca o estudamos nem o conhecemos verdadeiramente. É claro que o cão tenderá sempre a ser o alfa, a ser o dono de si próprio e mandar nos que o rodeiam (alcateia), a fazer aquilo que muito bem entender; um dono tímido ou com falta de autoridade que tenha um cão inteligente e más tendências, pode ter problemas sérios com o animal” avisa.

Mas há ou não há cães perigosos? João Cláudio diz que não nascem perigosos mas “algo” ou “alguém” os ensina mal. “Assim como não há rapazes maus, como dizia o Padre Américo. Não é por uma pessoa saber praticar judo que se torna perigosa, tal como um cão de raça que esteja preparado geneticamente para ser mais agressivo. Um cão pequenino pode ser muito mais perigoso do que um grande”.

“Não é justa a condenação imediata de qualquer animal que tenha tido um mau comportamento. Existem cães perigosos, sim, quando os homens os treinam para enfrentarem o perigo sem diferenciar os verdadeiros dos fantasmas. Todo o ser nasce inocente e o cão não é excepção. Se um segurança estiver de guarda a uma casa não pode deixar que a assaltem e se for preciso recorre à força. Se desafiarem um touro no seu espaço ele investe e mata. Se passarem ao lado da cerca e não o desafiarem ele nem se mexe”, continua.

“Os cães nasceram para gastarem a energia de quem faz 15 km a pé todos os dias e os seus donos dão uma voltinha com eles à noite convencidos que estão a fazer a terapia ideal aos seu cães quando estão apenas a provocar-lhe ainda mais stress”, explica o veterinário.

“Conheço um exemplo concreto de um cão que se fingia coxo para escapar às agressões. Assim que se via longe dos agressores, e para grande surpresa deles, corria como um coelho. O homem é um animal de hábitos e o cão não lhe fica atrás. Por isso os cães perdidos nas grandes cidades utilizam as passadeiras como os homens; é apenas um exemplo mas significativo da aprendizagem com o homem”.

“Desde a evolução da espécie humana que o cão ajudou mais o homem que o contrário. A diferença é muito grande. Ainda hoje o cão puxa a carroça se o atrelarem. Não falando do facto de ser o grande amigo do homem e de dar provas disso todos os dias inclusive na procura e salvamento”.


“Os cães também se suicidam”

João Cláudio exerce veterinária há cerca de 35 anos e nesta conversa com O MIRANTE contou imensas histórias que provam a sua sabedoria sobre a vida e o comportamento dos animais. “Tal como as pessoas, os cães também se suicidam quando optam por deixar de comer, nomeadamente quando perdem o dono. Esta atitude dos cães é muito frequente. O cão não nasceu para viver sozinho, mas em alcateia, tal como nós que também precisamos de uma sociedade para nos acarinhar ou dar palmadas”.

“É preciso ter um determinado pensamento para podermos tratar na clínica um cão que sabemos que está ali pronto para se defender e que nos poderá agredir; mas quase sempre conseguimos os nossos objectivos sem agressões pois transmitimos ao animal quais as nossas intenções. Se o dono estiver a pensar que a injecção que vamos administrar vai doer é certo que o animal começa logo a ganir”.

“Os cães entendem os nossos cheiros, que são transmissores dos nossos pensamentos. Se habitualmente vou ao Porto ou Lisboa, ele vai saber para onde vou pela leitura dos meus odores que são diferentes, pelas emoções que tenho por ir a um local ou outro “, diz o médico, acrescentando que “existe sempre um confronto entre o animal e o veterinário mas regra geral acaba sempre em bem”.

João Cláudio acha que a comunicação social está sempre à procura de um culpado quando acontecem ataques de cães considerados de raça perigosa. “Escreve-se que um cão atacou mas não se vai muito para além disso. O cão é quase sempre dado como culpado sem que se tente apurar se foi molestado física ou psiquicamente”.

Fonte: O Mirante - Publicado neste site em 03/02/2013


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