SÃO PAULO - No Brasil, a venda de produtos e serviços voltados a animais de estimação movimenta um mercado que cresce num ritmo equivalente a três vezes o do PIB. Em 2019, as vendas chegaram a R$ 35,4 bilhões, segundo projeção do Instituto Pet Brasil, associação do setor, numa alta de 3% sobre o ano anterior.
A alta procura por mimos para cães, gatos e afins motiva planos de expansão ambiciosos da varejista Petz, que na última quarta-feira formalizou a intenção de abrir capital na Bolsa. A razão de tanto alvoroço está no fato de esse mercado ser ainda “selvagem” — o que, para especialistas, significa uma participação baixa das grandes varejistas nas vendas.
Os bichanos e cachorrinhos hoje já não fazem a alegria apenas dos donos, mas também de fornecedores de produtos. Perto da metade da população brasileira tem um animal de estimação — são 139 milhões de cães, gatos, aves, peixes, répteis e outros bichos, segundo dados do IBGE.
A presença deles por aqui está bem acima da média mundial: quase seis entre dez lares brasileiros contam com um cachorro — o dobro da média global. Entre os gatos, a taxa também supera a mundial: 28% da população têm gatos; lá fora, a média é de 23%, segundo dados da consultoria global GfK.
Com tanto bicho por aí, o país é o segundo maior mercado para ração industrializada, com 5,2% das vendas globais desse produto, fatia atrás apenas dos Estados Unidos (40%) e à frente de países desenvolvidos como Reino Unido e Alemanha, segundo estimativa da consultoria Euromonitor.
Por trás do apego dos brasileiros aos animais, na visão de Martina Campos, diretora do Instituto Pet Brasil, estão fatores como a personalidade calorosa ao lidar com os animais, além de mudanças demográficas, como a redução no tamanho das famílias e o envelhecimento da população.
— Os pets cada vez mais substituem os filhos nas famílias e, no caso dos solteiros, são a própria família —diz.
Tudo indica que o mercado para pets só deve crescer no Brasil daqui para a frente. A Euromonitor projeta uma expansão anual das vendas do setor acima de 15% até 2024, o dobro da média global no período. O motivo: mais lares deverão ganhar um animalzinho.
Mercado pulverizado
Segundo projeção da consultoria americana Packaged Facts, especializada no setor, a quantidade de domicílios com cães ou gatos deve crescer 5% até 2023, o suficiente para o país ter 39 milhões de lares com cachorros e 19 milhões com bichanos.
Para além de mais gente gastando tempo e energia no cuidado dos bichinhos, há espaço para aumentar as vendas com os animais que já estão aí. Em menos da metade dos lares brasileiros, cães e gatos comem ração industrializada.
— Ainda temos um gasto per capita bastante pequeno comparado aos países líderes. Muitos animais consomem restos de comida. O alimento corresponde ao principal gasto por animal — diz Maria Alice Narloch, analista de pesquisa da Euromonitor.
Além da demanda por novos produtos, na conta de gente animada com o mercado pet no Brasil está a enorme pulverização do setor. Pelos dados da Euromonitor, apenas 8% das vendas de produtos e serviços para animais domésticos são feitas em grandes varejistas como a Petz e a Cobasi.
Nos EUA, a fatia é de 21%; na Alemanha, de 27%. Aqui, o comércio de itens como ração e vacinas é dominado por pet shops de bairro, em que o portfólio raramente chega a 30% do normal numa megastore como as da Petz, onde é possível encontrar 20 mil produtos diferentes.
Varejista pretende entrar na Bolsa
A demanda aquecida tem motivado uma expansão acelerada dos negócios voltados aos animais domésticos no país. A rede Petz é o melhor exemplo do fenômeno e se prepara para entrar na Bolsa. Fundada em 2002, a empresa teve no ano passado receitas de R$ 1,1 bilhão, uma alta de 27% sobre 2018. De 2017 para cá, a varejista saiu de uma rede de 63 lojas em sete estados para as atuais 105 unidades em 13 unidades da federação.
De acordo com o prospecto da oferta pública de ações protocolada pela varejista na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autoridade regulatória de empresas com capital aberto no Brasil, a Petz pretende captar recursos para acelerar a abertura de lojas. Procurada pelo GLOBO, a empresa não quis dar mais detalhes sobre seus negócios.
Para analistas, o movimento da Petz vem da necessidade de uma saída do negócio por parte do fundo de private equity Warburg Pincus, que investiu na varejista há sete anos. Além disso, a Petz está em busca de recursos para fazer frente à expansão da Cobasi, líder do mercado, com receita de R$ 1,3 bilhão em 2019. O fundador da Cobasi, João Nassar, tem planos ambiciosos.
— A meta é expandir as receitas em pelo menos 20% e abrir no mínimo 25 lojas em 2020 — diz Nassar, que é da segunda geração da família à frente do negócio fundado em 1985, na Zona Oeste da capital paulista.
O crescimento deve vir de recursos próprios, mas uma ida a mercado pode entrar no cenário caso a bicharada da concorrência lata mais alto.
— Por ora, não consideramos abrir capital mas estamos prontos para ir a mercado se houver uma necessidade de expansão — diz.
No caminho da euforia dos investidores com os animais de estimação por aqui, está a trajetória recente desse setor nos Estados Unidos, onde o faturamento anual do mercado pet gira em torno de US$ 60 bilhões.
Risco de bolha
No ano passado, em junho, a oferta pública de ações da Chewy.com, um comércio eletrônico voltado aos animais domésticos, levantou US$ 8,7 bilhões. Desde então, os papéis caíram 17% com vendas abaixo do esperado.
Na sombra de muitos dos negócios do setor está o histórico da Pets.com, um dos maiores exemplos da chamada bolha da internet no início dos anos 2000. Fundada em 1998 nos EUA como um comércio eletrônico pioneiro no setor, a empresa investiu com força em marketing. Em janeiro de 2000, anúncios da Pets.com foram vistos inclusive no intervalo do SuperBowl, partida de futebol que é o espaço comercial mais caro da TV americana. Nove meses mais tarde, a empresa pediu falência em meio à combinação de altos custos logísticos e demanda incerta para o comércio on-line para pets.